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Una Resenha - Quando nosso mundo se tornou cristao (Paul Veyne)

Enviado por   •  4 de Enero de 2019  •  1.448 Palabras (6 Páginas)  •  377 Visitas

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Fica evidente a defesa de que, apesar de inferiorizar o paganismo, Constantino visava a paz e a estabilidade em seus domínios, cabendo à Igreja usar “mais de persuasão que de perseguição” (p. 21) neste seu proselitismo. A manutenção dos cultos e festividades pagãs (pelo menos fora dos âmbitos que o tangenciassem), as autoridades não-cristãs ainda no poder, além da preservação de símbolos pagãos, como o Sol Invictus no verso das moedas, apontam para a existência sim de um chefe cristão, mas a permanência, sobretudo, de um imperador romano.

Ao invés de reprimir a religião contrária, ele favorece a de seu apreço “permitindo que se estabeleça livre e amplamente, enriquecendo-a, dirigindo-a ele próprio no bom sentido e dando bom exemplo por sua própria fé e pelas numerosas igrejas que fez construir” (p. 134). Esse favorecimento não é original dos cristãos, pois já havia ocorrido entre os imperadores pagãos. Por outro lado, não se pode falar em aceitação do diferente, mas sim em tolerância mútua. Antes da religião, os imperadores estavam preocupados em “unificar sob uma mesma crença uma população já unificada no patriotismo e na fidelidade a seus príncipes” (p. 188).

Retomando o assunto das rupturas na História, Veyne retrata um evento decisivo na continuidade do cristianismo: a sua crise no império de Juliano. Este foi o que tentou devolver o destaque ao paganismo, mas não obteve o êxito desejado devido à efemeridade de seu governo (361-363). Contudo, a empreitada do imperador em questão poderia ter sido prolongada na escolha de seu sucessor, o que não ocorreu, já que o empossado foi Valentiniano, um cristão. Apesar de tudo, a eleição deste se deu muito mais por atributos seculares que religiosos. Se essa decisão tivesse resultado em algo diferente, quão diferente a história seria? Teria o cristianismo morrido? É por esta razão que Veyne defende a importância de uma análise problematizada da individualidade.

Por fim, nos dois últimos capítulos, o autor se atem a dois questionamentos em especial. O primeiro deles é sobre a ideologia: teria sido o cristianismo uma forma de legitimar o governo de Constantino? Veyne está convicto que não, e para isso argumenta que o respeito ao imperador está fundado no patriotismo e na lealdade, tanto da parte dos cristãos como dos pagãos. Também aponta para a obediência, que para ele está à parte de uma ideologia qualquer que seja, dando o exemplo do sistema escolar, em que, apesar da insistência nos ensinamentos cívicos, estes são sobrepujados pela experiência de vida e os exemplos familiares e sociais. “Em uma palavra, o que acontece é que a vivência social silenciosa suscita ou aceita as verbalizações ideológicas, não é o inverso que se dá; os únicos a se convencerem por uma ideologia são os já convencidos” (p. 204).

O segundo questionamento é se a Europa teria mesmo raízes cristãs, sobre o que o autor vai novamente argumentar contrariamente. Além da defesa historiográfica, fica evidente no decorrer da obra certo posicionamento enviesado do autor, inclusive nas suas alusões a Lênin e a Trotsky, fruto de experiências frustradas no Partido Comunista Francês em sua juventude. Acredito que isso tenha colaborado no sentido de levá-lo a apontar a Europa como “democrata, leiga, partidária da liberdade religiosa, dos direitos do homem, da liberdade de pensar, da liberdade sexual, do feminismo e do socialismo ou da redução das desigualdades” (p. 231), o que, a meu ver, é em demasiado utópico. Veyne conclui a obra, mais uma vez usando do assunto para fundamentar sua ideia de contingência na historiografia: “a Europa não tem raízes, cristãs ou outras, pois se fez através de etapas imprevisíveis” (p. 240) [grifo meu]. Não vejo o cristianismo como raiz intrínseca, mas ao menos como um importante aspecto cultural presente que influenciou e ainda lança bases ao pensamento coletivo e às decisões morais e políticas, o que não pode ser descartado.

É louvável a forma como o autor escreve, permitindo, sem prejuízos maiores, que a leitura seja feita pelo leigo ou pelo especialista, o que é muito válido, pois desperta interesse e possibilita esclarecimento geral a respeito de um assunto sobre o qual repousam grandes controvérsias.

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