AGAMBEN: VIDA NUA, ESTADO DE EXCEÇÃO E RELIGIÃO CAPITALISMO
Enviado por Antonio • 23 de Noviembre de 2017 • 4.073 Palabras (17 Páginas) • 367 Visitas
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Para Agamben (2011, p.3/3) “os modelos de crença que nos são propostos já não nos convencem. São, como dizia Chiaromenti, mantidos à força, na má-fé.” Daí percebemos sua base de questionamentos. Ele procura, através da reunião e conexão dos fragmentos, lançar outras verdades, revelando novas leituras da modernidade.
Em sua pesquisa há uma acuidade em esclarecer o que é do âmbito religioso e sua vinculação ao político. Ele expõe o vocábulo religio, questionando a etimologia que o relaciona com o religare – aquilo liga o humano ao seu criador -; para afirmar que de fato o termo deriva de relegere, relacionado a “atitude de escrúpulo e atenção que deve caracterizar as relações com os deuses”. Tratar-se-ia, portanto, de reler e “observar a fim de respeitar a separação entre o sagrado e o profano” (AGAMBEN, 2007, p. 66).
Vida nua
Agamben resgata reminiscências do direito criminal romano arcaico para lançar sua reflexão de partida, tentando desvendar o amálgama que envolve a consagração e a banalização da vida. Inicia a sua saga analítica citando “Festo” e o “seu tratado sobre o significado das palavras” cujo autor romano lança a questão do homo sacer. Diz tratar-se da “mais antiga pena do direito criminal romano” (AGAMBEN 2002, p.79 apud Bennett, 1930, p.5) cuja pena “enquanto sanciona a sacralidade de uma pessoa, autoriza (ou, mais precisamente, torna impunível) sua morte (...)”, pois “aquele que qualquer um podia matar impunemente não devia, porém, ser levado à morte nas formas sancionadas pelo rito” (2002, p. 79).
Em seguida, Agamben questiona o sentido da expressão “sacer esto” por tratar da dispensa da pessoa ao sacrifício aos deuses, preservando sua vida; porém permitindo que seja morta por qualquer um. Entre as razões levantadas, Agamben (2002, p. 80) destaca que “aquilo que é sacer já está sob a posse dos deuses, e é originariamente e de modo particular propriedade dos deuses ínferos, portanto não há necessidade de torná-lo tal com uma nova ação”, i.e. a execução, citando Kerényi (1951, p. 76).
A questão estaria entre a oferta aos deuses ínferos (maldição) e o tabu, na figura arquetípica de veneração e horror? Este ensaio não dá conta da amplitude da discussão do autor, atenho-me a alguns aspectos, pois à medida que lança detalhes sobre a dicotomia citada, Agamben vai enlaçando-a com a possibilidade de “lançar luz sobre uma estrutura política originária, que tem seu lugar em uma zona que precede a distinção entre o sacro e o profano, entre religioso e jurídico”, evidenciado a questão: "O que é, então, a vida do homo sacer, se ela se situa no cruzamento de uma matabilidade e uma insacrificabilidade, fora tanto do direito humano quanto daquele divino?" (2002, p.81).
Procurando desvendar essa ambivalência, Agamben (2002, p. 83) versa que sobre a “origem da soberania” repousa um “mitologema” que trata da “teoria da ambiguidade do sacro”, que tomou forma na antropologia inglesa e depois, na sociologia francesa. Ele recorda que a obra Lectureson the religion of the Semites, de Robertson Smith (1889) vai favorecer, mais adiante, o “ensaio freudiano Totem e tabu”. E que a elaboração de tal livro coincide
com o momento em que uma sociedade, que havia então perdido todo o relacionamento com sua tradição religiosa, começa a acusar seu próprio desconforto. É nesse livro, de fato, que a noção etnográfica de tabu deixa pela primeira vez o âmbito das culturas primitivas e penetra firmemente no interior do estudo da religião bíblica, marcando irrevogavelmente com a sua ambiguidade a experiência ocidental do sagrado. (AGAMBEN, 2002, p. 83).
Outra assertiva refere-se ao conceito hebraico de “bando” (herem) tanto como consagração à divindade; quanto em sentido oposto, equivalente à decisão pela destruição de indivíduo e, até, de suas propriedades, no sentido de banir; outra aproximação semântica do que seria a ‘vida nua’. (AGAMBEN, 2002, p. 84).
Na reflexão se vai construindo um registro histórico da ambivalência da expressão sacer ou sacro, gerando uma perspectiva semântica paradoxal. Essa ideia é frequentemente resgatada para dizer da proximidade que há entre “santidade” e “impuridade”. A relação entre “bando” e “tabu” aponta para “a gênese da ambiguidade do sacro: a ambiguidade do primeiro, que exclui incluindo, implica aquela do segundo” (Ibidem, p.85).
Ainda buscando esclarecer a questão, Agamben, após confirmar a formulação de uma “teoria da ambivalência do sacro”, ratificada com a citação de Hubert e Mauss (1899), descreve que, em momento posterior, citando Wundt, “a originária ambivalência deu lugar à antítese de sacro e impuro”. Agamben argumenta, então, que Durkheim vai se debruçar sobre a questão, em uma obra de 1912, ao classificar as “‘forças religiosas’ em duas categorias opostas, as fastas e as nefastas” (Ibidem, p.85), a primeira, dando conta da veneração e a outra, da repugnância.
Para Durkheim,
Existem duas espécies de sagrado, o fasto e o nefasto; e não somente entre as duas formas opostas não existe solução de continuidade, mas um mesmo objeto pode passar de uma a outra sem alterar sua natureza. Com o puro se faz o impuro e vice-versa: a ambiguidade do sacro consiste na possibilidade desta transmutação. (AGAMBEN, 2002, p. 85 apud Durkheim, 1912, p. 446-448)
O debate, então, avança no âmbito psicológico do fenômeno religioso, relacionando o conceito de “sagrado” com “obscuro” e “impenetrável”. Agamben recorda que Freud, ao escrever “Totem e tabu”, aproveitou aquele contexto de reflexões, destacando que “é somente com esse livro que uma genuína teoria geral da ambivalência vem à luz, sobre bases não apenas antropológicas, mas também linguísticas.” O autor lembra que em 1910, Freud havia empreendido o estudo do linguista K. Abel, “sobre o sentido contraditório das palavras originárias” e que o termo latino sacer, “santo e maldito”, figurava naqueles escritos. (AGAMBEN, 2002, p. 86)
Agamben (2002, p. 88) após descrever uma série de referências antropológicas e históricas sobre conceito de homo sacer, afirma que “na vida dos conceitos, há um momento em que eles perdem a sua inteligibilidade imediata e, como todo termo vazio, pode carregar-se de sentidos contraditórios”. Para, em seguida, dizer que
nenhuma pretensa ambivalência da categoria religiosa genérica do sacro pode explicar o fenômeno jurídico-político ao qual se refere a mais antiga
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